A lembrança mais antiga que tenho de eu pensando sobre as questões deste blog é de quando eu tinha por volta de 8 anos de idade, ao final de uma partida de Damas. Eu pensei: “Aprendi tantas coisas complexas jogando Damas: além das regras, as táticas e estratégias elaboradas para capturar mais de uma peça adversária ou fazer uma dama são incríveis. Por que a escola não segue o mesmo método para ensinar as matérias? Seria tão bom aprender assim, se divertindo.”

Tenho um amigo, Paulo Oliveira, que é exímio professor de Inglês e que me disse certa vez: “a melhor maneira de aprender inglês é a maneira como você aprendeu sua primeira língua”. As pessoas entram e saem de cursos de inglês na busca desenfreada pela fluência em conversação principalmente. Esta é quase sempre a última barreira. Elas têm vocabulário, conhecem a gramática e os tempos verbais, mas na hora de conversar em inglês, travam. Mas, em relação à nossa primeira língua, aprendemos a conversar sem sentir, enquanto cuidávamos apenas de comer, dormir e nos divertirmos.

Como foi que aprendemos a conversar fluentemente em uma língua mais difícil do que o inglês (o português) e sem nos esforçarmos para isso? Qual foi o método pedagógico que aplicamos? Não me lembro de ter tido aulas de português antes dos 5 anos de idade, mas eu já conversava aos 4. Uma coisa eu sei que fiz muito nessa época: brincar, jogar, me divertir.

O período entre o nascimento e o final da primeira infância é o período de nossas vidas em que mais aprendemos, não só sobre conversação, mas sobre tudo. Assim que um bebê nasce, seu cérebro é um computador de última geração, novinho e cheio de espaço no HD, que passa a registrar e processar tudo o que seus 5 sentidos captam. Como se não bastasse, nosso instinto de sobrevivência leva este computador a processar o mais rápido possível todos os sinais e estímulos que lhe chegam a fim de saber diferenciar o quanto antes situações seguras de situações de perigo, bem como para saber sair desta para aquela, evoluindo de um estado de extrema vulnerabilidade e dependência de outro ser humano para outro no qual seja mais autônomo.

Assim era de se esperar que a inteligência divina (ou a seleção natural para quem crê assim) esculpisse nosso DNA para termos, na infância, um impulso natural para atividades pedagogicamente otimizadas. E quais são essas atividades para as quais apresentamos um impulso natural já na primeira infância e que promovem em tempo recorde as aprendizagens que precisamos? Não me parece razoável dizer que sejam o mamar, o chorar ou o excretar. Tirando essas, sobram apenas o dormir (bebê dorme muito) e o jogar / brincar (play). É cientificamente comprovado que dormir é eficaz para a manutenção e retenção do conhecimento construído, mas é jogando que tais construções acontecem.

A forma natural de algo acontecer é sempre tida na Biologia como a forma ótima ou ideal, tanto que costumamos dizer que a natureza é sábia e até a copiamos quando queremos criar produtos e processos otimizados. Estranha-me que, por tanto tempo, profissionais da Educação tenham ignorado e até reprimido nas escolas a forma natural do ser humano aprender, alegando ser os jogos distrações que atrapalham o processo de aprendizagem nesses ambientes.

Mesmo hoje, no século XXI, em que a Pedagogia já “reconhece” a importância dos jogos na educação e assiste assustada a aplicativos gamificados substituírem as salas de aula, impressiona-me a falta de conhecimento dos professores em relação aos jogos. Espanta-me que não haja sequer 1 disciplina obrigatória de Game Design ou Ludologia nas faculdades de Pedagogia.

Considerada a terceira melhor faculdade de Pedagogia do Brasil em 2018, a UFRJ possui apenas 1 disciplina que trata de jogos, uma eletiva chamada Jogos e Brincadeira. Ela aborda a importância da prática de jogos no ambiente escolar, mas não tem o jogo como objeto de estudo central, nem como propósito o entendê-lo e dominá-lo a ponto de reproduzi-lo para a otimização da aprendizagem de qualquer objeto de conhecimento. A seguir, a descrição da disciplina:

Importância do brincar no desenvolvimento infantil; o brinquedo como objeto da cultura, o brincar no contexto escolar, jogos, brincadeiras e atividades lúdicas: questões para e educação, brinquedoteca: organização e funcionamento.

Se a natureza apresenta os jogos divertidos como a melhor Pedagogia para ensinar crianças (seres humanos ainda não totalmente desenvolvidos) a viver (o que não é nada fácil nem simples), o que essa mesma Pedagogia não poderia fazer no ensino de objetos de conhecimento mais simples para seres humanos mais (ou já) desenvolvidos? Infelizmente ficamos muito tempo alheios a todo esse potencial dos jogos, mas não poderíamos resistir à nossa própria natureza por muito mais tempo. Assim ela se manifestou agora, como num efeito rebote e como em nenhum outro tempo, contra tudo o que vinha oprimindo-a.

Nunca tivemos tanta oferta e variedade de jogos. O mercado de jogos, tanto dos digitais quanto dos de mesa, nunca cresceu tanto. Nunca a obra prima de Johan Huizinga, Homo Ludens, de 1938, fez tanto sentido para nós quanto agora, que temos nos tornado conscientes da subjacência do jogo em todas as nossas atividades através da gamificação – que, segundo penso, nada mais é do que o balanceamento e o upgrade dos jogos que essas atividades já são em essência. Porque não só na infância e na individualidade, mas em toda a História da coletividade é no jogo e pelo jogo que a civilização surge e se desenvolve (HUIZINGA, 1938).

 

Leandro Costa

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